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A ética analítica não é normativa, mas transformadora

O principal aprendizado nessa unidade para mim está relacionado ao fato de que o psicanalista tem de acolher o paciente mesmo que ele tenha uma personalidade ou um caráter disfuncionais. A psicanálise se diferencia da moral tradicional e das pedagogias do caráter, mas sem deixar de produzir uma transformação ética profunda no sujeito.

Na psicanálise, o analista não tem o direito de impor valores morais nem de “ensinar o bem” ao paciente. Sua ética — como lembra Lacan — é a ética do desejo, não a do dever. Isso significa que o analista não molda o caráter de fora, como um educador ou moralista; ele cria condições para que o sujeito reencontre sua própria verdade, e a partir dela, assuma responsabilidade por seu modo de desejar e agir.

Portanto, a ética analítica não é normativa, mas transformadora: ela conduz o sujeito a uma reorganização simbólica e afetiva que inevitavelmente repercute em seu caráter.

Embora não molde o caráter no sentido moral tradicional, o analista atua sobre a estrutura do sujeito — e, por consequência, sobre a forma como ele se posiciona no mundo.

O analista ajuda o paciente a reconhecer os determinantes inconscientes de suas ações, sintomas e repetições. Ao trazer à luz esses mecanismos, o sujeito passa de uma posição passiva (dominado) para uma posição ativa (responsável). Essa passagem é uma verdadeira reformulação ética do caráter: o indivíduo se torna mais consciente, menos reativo, mais capaz de escolher.

Na relação transferencial, o analista ocupa o lugar de um “espelho simbólico”. Ao ser confrontado com suas idealizações e projeções, o paciente reconhece seus modos de amar, odiar e desejar. Esse reconhecimento é formativo, o sujeito aprende a se responsabilizar por seus afetos, em vez de projetá-los nos outros.

A interpretação visa fazer o sujeito confrontar seus limites, aceitar a falta, a incompletude, a alteridade. Essa aceitação da falta é essencial à formação do caráter — é o que diferencia o adulto do sujeito infantil ou perverso. Aqui, o analista não ensina virtude; ele produz as condições psíquicas para que a virtude se torne possível.

O fim de uma análise é o sujeito assumir seu desejo e suas consequências. Isso o torna responsável — no sentido mais radical: não obediente a uma norma externa, mas fiel à sua própria verdade. Assim, o caráter é moldado de dentro para fora, pela travessia de sua própria história.

O psicanalista não molda o caráter pela imposição do bem, mas pela escuta que conduz o sujeito a reconhecer sua verdade e, ao fazê-lo, a tornar-se mais ético — no sentido de ser responsável, consciente e reconciliado com o próprio desejo.