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Processos psicológicos e cultura: a formação do sujeito em sociedade

1 - Relação entre processos psicológicos e fenômenos culturais

Os processos psicológicos superiores como atenção, memória, linguagem, pensamento, emoção e percepção não se desenvolvem isoladamente, nem são inatos em sua forma mais complexa. Ao contrário, eles são moldados pelas práticas culturais e pela vida em sociedade.

Por exemplo, o modo como percebemos o tempo, o corpo ou a beleza varia conforme os valores e símbolos de cada cultura. Uma criança criada em uma comunidade indígena amazônica, por exemplo, terá percepções espaciais e corporais muito diferentes de uma criança criada em um grande centro urbano. Ambas possuem os mesmos órgãos sensoriais (visão, audição etc.), mas o que elas aprendem a perceber como relevante, bonito, perigoso ou desejável é culturalmente mediado.

Ou seja, os sentidos nos conectam ao mundo, mas é a cultura que dá significado ao que sentimos.

2 - Relações entre cultura e personalidade

A personalidade entendida como o conjunto relativamente estável de modos de sentir, pensar e agir é moldada pela cultura desde os primeiros anos de vida.

Autores como William James e Gordon Allport destacaram que a construção do "eu" (ou do self) acontece na interação com o mundo social. As narrativas familiares, os mitos, os papéis de gênero, os valores morais e as normas sociais oferecem modelos de identificação. A cultura, assim, não apenas influencia a personalidade, mas participa ativamente de sua constituição.

Por exemplo, em culturas individualistas, como os Estados Unidos, tende-se a valorizar a autonomia e o sucesso pessoal, o que molda personalidades mais voltadas para a competição e a autovalorização. Já em culturas coletivistas, como no Japão ou em diversas comunidades tradicionais no Brasil, o pertencimento ao grupo e a harmonia relacional são centrais, moldando personalidades mais orientadas à empatia e à interdependência.

Portanto, a personalidade é uma construção cultural tanto quanto psíquica.

3 - O desenvolvimento da percepção e a mediação cultural

A percepção, capacidade de interpretar os estímulos sensoriais, não nasce pronta. Durante o desenvolvimento, ela passa por etapas que são simultaneamente biológicas e culturais.

  • Na infância, as percepções são inicialmente fragmentadas, muito ligadas às sensações diretas (cores, sons, cheiros). Com o tempo, graças à linguagem, à interação social e às práticas culturais (como ouvir histórias, ver imagens, brincar, observar comportamentos), a criança começa a organizar suas percepções em padrões mais amplos e significativos.
  • Na adolescência e na idade adulta, a percepção se torna mais complexa, seletiva e simbólica. A cultura fornece os esquemas que ajudam a interpretar o mundo: aprendemos o que observar, o que valorizar, o que tem sentido e o que não tem. Um adolescente, ao ver uma pintura de Frida Kahlo, por exemplo, não enxerga apenas cores e formas: ele percebe dor, força, identidade, isso porque a cultura ensinou a olhar com profundidade.

Assim, a percepção se desenvolve como um processo psicológico mediado, intensamente influenciado pela linguagem, pelo contexto histórico-social e pelas práticas culturais.

Para contextualizar, pensemos no caso das redes sociais e dos padrões de beleza:

  • Uma adolescente vê uma série de vídeos no TikTok com filtros que afinam o nariz, clareiam os dentes e aumentam os lábios. A percepção que ela tem do seu próprio rosto se altera: mesmo que seus olhos captem a imagem verdadeira no espelho (sensação), o que ela "vê" (percepção) é uma comparação com aquele ideal digitalizado.
  • Sua personalidade também é afetada: talvez ela se torne mais insegura, mais preocupada com a aprovação social, mais dependente da aparência como fonte de autoestima.
  • Essa transformação só é possível porque a cultura digital está mediando o processo perceptivo e o modo como ela constrói sua identidade.

Os processos psicológicos não se desenvolvem isoladamente no indivíduo. Eles são interdependentes da cultura, que oferece os códigos, os símbolos e os modos de organização do mundo. A personalidade nasce do cruzamento entre o sujeito e os valores culturais que ele interioriza. E a percepção, da infância à idade adulta, se transforma conforme o meio oferece experiências, narrativas e sentidos.

Ao entendermos isso, reconhecemos que a psicologia não pode ser dissociada da história e da cultura, e que todo olhar para o humano deve ser também um olhar para o mundo em que esse humano vive e aprende a ser.