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Autoanálise

 

Desde muito pequena, aprendi a observar em silêncio. Havia algo no ambiente — ora sutil, ora sufocante — que me ensinava que o amor vinha condicionado, e o silêncio era a forma mais segura de sobreviver. Cresci tentando interpretar os gestos, os olhares, os pequenos ruídos que preenchiam os vazios entre palavras não ditas. Me tornei uma menina sensível, atenta, intuitiva... e muito só.

Na relação com meus pais — mesmo quando presentes — houve ausências fundantes. Como se meu desejo fosse sempre demais. Demasiado sonhador. Demasiado profundo. Demasiado livre. E por isso, contido. Talvez por isso eu tenha sonhado com tantas formas de escapar: a escrita, os céus, os laços. A fantasia era o único lugar onde a minha intensidade não era proibida.

Fui muitas. Filha de uma ausência. Mãe de mim mesma. Mulher dividida entre a dor e o sonho. E mesmo ferida, nunca deixei de desejar. Freud dizia que o desejo é o que nos move. Talvez por isso eu nunca tenha parado. Mesmo caída, eu reconstruía. Mesmo despedaçada, eu colava os cacos com palavras. Escrevendo, eu me ouvia. Eu me entendia. Eu me recomeçava.

Hoje compreendo que a Renata que deseja ajudar outras mulheres a se reconectarem com sua essência é a mesma criança que buscava, no olhar da mãe, um reflexo seguro. Eu fui essa criança. E hoje sou a mulher que segura a mão dela. Que a acolhe. Que a escuta. Que a liberta.

Eu sei que não posso mudar o passado. Mas posso fazer dele meu território de transformação. Posso sublimar minha dor em cuidado. Meu silêncio em voz. Meu trauma em ponte.

Porque no fundo, o que sempre me salvou foi o amor — ainda que em falta, ainda que buscado demais, ainda que perdido. O amor que escrevo, que transformo em projeto, que ofereço como colo, é também o amor que ainda aprendo a dar a mim mesma.