Unidade 6 - O ego e os mecanismos de defesa
Citação de Charles de Sousa em setembro 11, 2025, 7:36 pmUnidade 6 - O ego e os mecanismos de defesa
Anna Freud, juntamente com seu pai, durante muitos anos dispensou uma atenção especial ao estudo dos mecanismos de defesa identificando cinco grandes atributos: 1. as defesas são a melhor maneira de enfrentar os conflitos e os afetos; 2. as defesas são parcialmente inconscientes; 3. as defesas são distintas entre si; 4. é possível transformar as defesas, apesar de assemelharem-se com os sintomas psiquiátricos; 5. as defesas podem desempenhar uma função adaptativa, porém também podem ser patológicas (MARQUES, 2012).
As três instâncias que formam a personalidade são passíveis de observação de modo diferenciado. O id só é observável quando uma pulsão obtiver passagem aos sistemas pré-conscientes e conscientes, ou seja, somente quando uma pulsão se propagar até o ego em busca de satisfação, causando sentimentos de tensão e desprazer, fora isso o id não é acessível. No caso do superego, o seu conteúdo é, em sua maior parte, consciente, sendo possível acessá-lo através da análise, porém quando está em harmonia com o ego é impossível discerni-los. O superego se torna visível quando afronta o ego, tornando-se visível através do sentimento de culpa que gera pela sua crítica. Das três instâncias, o ego é a que permite a observação direta e é através dele que se acessa as outras duas. O ego utiliza medidas defensivas para se defender dos ataques das pulsões que buscam intensivamente para conseguir seus fins com muita obstinação e energia. No entanto, essas defesas acontecem invisivelmente no caso do recalcamento que é bem-sucedido, como também acontece com a formação reativa que é uma das principais defesas do ego contra o id. Além de se defender das pulsões do id, o ego também se defende dos afetos associados a estas. Afetos como amor, nostalgia, ciúme, mortificação, dor e pesar, deslocam-se junto com as pulsões dos desejos sexuais, já o ódio, a cólera e a fúria acompanham os impulsos agressivos (FREUD, 2006).
Repressão: é um dos mecanismos mais comuns de defesa do ego. Seu significado é o de retirar algo do consciente, levando-a para o inconsciente, ou seja, mantendo distante alguma imagem ou percepção insuportável. Obstaculiza sentimentos e experiências desagradáveis da consciência. O reprimido é instalado no inconsciente, no entanto continua a fazer parte da psique e continuará exercendo influência no comportamento através do desenvolvimento de sintomas. Exemplo: uma vítima de assalto violento não consegue se lembrar de nada do ocorrido e encontra-se com grande ansiedade e/ou deprimida.
Regressão: é a volta a um período de desenvolvimento anterior na busca de um conforto, segurança e gratificação sentidas nessa fase. Segundo Volpi (2008, p. 2), “é um modo de defesa bastante primitivo e, embora reduza a tensão, frequentemente deixa sem solução a fonte de ansiedade original”. Exemplo: uma criança que volta a fazer xixi na cama quando nasce um irmãozinho.
Formação reativa: para evitar a expressão de pensamentos ou sentimentos inaceitáveis, o sujeito exagera na expressão de sentimentos ou expressão oposta. Exemplo: Júlio fez direito para agradar seu pai, porém odeia o curso e o fato de ter que ser advogado, mas quando fala publicamente refere a profissão de advogado como sendo uma excelente carreira.
Identificação: é um mecanismo não defensivo, no qual se busca alcançar os traços, qualidades e particularidades de alguém a quem se admira. Na identificação projetiva, conceito desenvolvido por Melanie Klein — posição esquizoparanoide, segundo Volpi (2008, p. 2) “[...] o indivíduo se identificando com o outro (pessoa ou objeto), cria internamente uma imagem ou fantasia e projeta isso para fora de si identificando-se com esta fantasia e construindo uma outra realidade psíquica”. Exemplo: uma pessoa que fez um longo tratamento dentário, ortodôntico, decide ser dentista posteriormente.
Intelectualização: há um isolamento dos afetos. Exemplo: este mecanismo é muito utilizado pela área médica. Os médicos necessitam isolar os afetos ao realizar uma cirurgia, ou tratar doenças terminais.
Racionalização: este mecanismo é um dos mais utilizados, pois o sujeito justifica com lógica e ética plausível alguma atitude e pensamentos inaceitáveis, dessa forma tem um intento benéfico como autoproteção e conforto psíquico. Exemplo: o dependente de álcool que justifica o uso da bebida como meio de suportar a morte de um filho.
Projeção: é o ato de atribuir pensamentos, sentimentos e impulsos intoleráveis para si mesmo a outra pessoa. Segundo Silva (2010, p. 4), “necessariamente, antes da projeção vem um mecanismo de negação, ou seja, uma forma de deslocamento que se dirige para fora e atribui a outra pessoa seus traços de caráter e desejos contra os quais existem objeções”. Exemplo: uma pessoa que se apaixona perdidamente por alguém (casado ou seu professor ou seu analista) e refere que é o outro que está apaixonado e que está assediando.
Introjeção: trata-se de assumir para si características de outras pessoas. Algo externo passa a fazer parte de seu ego. Esse mecanismo é relacionado ao de identificação. Exemplo: uma criança que repreende outra quando quer subir uma escada perigosa. Ela introjetou as normas passadas por seus pais.
Negação: o sujeito rejeita um pensamento, uma atitude ou um sentimento que é muito insuportável, que não consegue tolerar e simplesmente considera-o inexistente. Exemplo: típico mecanismo dos alcóolatras, que não admitem que são dependentes da bebida e referem que bebem socialmente.
Isolamento: o sujeito desassocia o pensamento ou recordação do afeto ou emoção que estava relacionado a ele. Exemplo: pacientes terminais falam de sua doença como se não fosse com eles.
Dissociação: é a separação de sentimentos/pensamentos contraditórios como o amor e ódio em relação a um mesmo objeto. A tentativa de integração gera uma ansiedade insuportável. Exemplo extremo é a dupla personalidade.
Deslocamento: é a substituição de um impulso/pulsão inicial por outro. Exemplo: uma pessoa que está com ódio de seu professor e agride verbalmente um colega.
Sublimação: é um processo através do qual a libido se separa do objeto sexual para outra finalidade, visando a satisfação. Para Freud (1996c, p. 111), “a sublimação é um processo que diz respeito à libido objetal e consiste no fato da pulsão se dirigir no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade da satisfação sexual”. Exemplo: competições esportivas são sublimações de pulsões agressivas ou uma pessoa com fortes impulsos sexuais se transforma em um grande artista.
Idealização: Segundo Freud (1996c, p. 111), “[...] a idealização é um processo que diz respeito ao objeto; por ela este objeto, sem qualquer alteração na sua natureza, é engrandecido e exaltado na mente do indivíduo”. Exemplo: idealizar o parceiro e cair na dependência emocional, pois estar com alguém que hipoteticamente lhe era impossível faz com que a pessoa se entregue totalmente.
Fixação: é um apego permanente da libido num estágio do desenvolvimento da personalidade. Muito dos traços de personalidade são pequenas fixações a alguma fase (oral, anal, fálica). Fixação está na origem das repressões/recalques. Exemplo: uma pessoa com forte fixação na fase anal pode apresentar características obsessivas ou vir a manifestar uma neurose obsessivo-compulsiva (ZIMERMAN, 2008).
O ego, então, se utiliza desses mecanismos de defesa para se defender das constantes inserções das pulsões na busca de uma incansável satisfação. São parcialmente inconscientes, podem ser utilizadas como uma forma de adaptação, como também podem se transformar em patologias em função da intensidade, frequência e rigor. O ego utiliza variadas defesas e é através da análise das resistências que é possível acessá-las. Das três instâncias que formam a personalidade, o ego é a instância que possibilita observação direta.
A inserção do sujeito em um grupo foi objeto de estudo de Freud em 1921, com a publicação de Psicologia de grupo e análise do ego. Segundo Roudinesco (1998), Freud desde o início de seu texto expôs o fenômeno de que sempre existe o “outro”, que serve de modelo, objeto e ou rival na constituição do ego, preterindo a oposição onisciente entre psicologia individual e psicologia social.
A identificação é um dos mecanismos que surgem na mais tenra idade, sendo para Freud (1996b, p. 136): A mais remota expressão de um laço emocional com outras pessoas, como também pode, de maneira regressiva, se tornar sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por meio da introjeção do objeto no ego, e, também pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto da pulsão sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo assim representar o início de um novo laço. [...] o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos suspeitar que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder.
A sua investigação foi na direção de desvendar a influência do grupo na vida mental do sujeito, a magnitude do grupo na constituição do sujeito e na alteração mental que o mesmo provoca no sujeito.
Buscou fundamentar essa atratividade do grupo e de sua influência no sujeito pela libido. Libido enquanto energia de todas as pulsões que podem ser abrangidas pelo amor, de forma ampla como amor sexual, amor próprio, amor pelos pais, pelos filhos, amor na amizade, etc., ou seja, tudo que faz laço emocional constitui a essência da mente grupal.
Nessa dinâmica, o sujeito abandona o seu ideal de ego em prol do amor a um líder, ou seja, o objeto foi colocado no lugar do ideal do ego e assim todos os membros do grupo o fizeram, o que faz com que se identifiquem uns com os outros em seu ego (FREUD, 1996b, p. 147).
O líder não é alguém que se intitula como um “Deus”. de ego agora compartilhado com o líder. O grupo passa a ter assim um ideal de grupo que se torna o ideal do sujeito, que não medirá esforços para cumprir com todas as exigências do grupo, pois estas se transformaram em suas também. Tudo acontece de forma subliminar, pouco perceptível baseado no fenômeno da identificação. O líder é escolhido por ter algumas características e competências diferenciadas que todos gostariam de ter, por isso tem mais autonomia de ação que os demais membros e ao substituir o ideal de todos estabelece uma ligação entre eles, pois todos acabam se identificando, uns com os outros, através de seu ideal.
A libido é que sustenta a relação do líder com os demais membros do grupo e cada elemento do grupo está ligado ao líder e aos outros membros. Esses laços se tornam efetivos em função da dessexualização dos impulsos sexuais, sendo que no processo civilizatório cada vez mais vemos a formação de grupos em torno de objetivos comuns e isso merece um cuidado em especial, tendo em vista que para que esses vínculos sejam mantidos é inexorável um comedimento da vida sexual.
Porém, é nos grupos transitórios e efêmeros que se pode observar como o indivíduo abandona seu ideal de ego e o substitui pelo ideal do grupo, tal como é corporificado no líder. A identificação revela o quanto o “outro” é universal na experiência subjetiva e o quanto o apoderamento de um elemento que venha do outro tem repercussão na subjetividade foi o que levou Freud a não ver oposição entre à psicologia individual e a social.
Unidade 6 - O ego e os mecanismos de defesa
Anna Freud, juntamente com seu pai, durante muitos anos dispensou uma atenção especial ao estudo dos mecanismos de defesa identificando cinco grandes atributos: 1. as defesas são a melhor maneira de enfrentar os conflitos e os afetos; 2. as defesas são parcialmente inconscientes; 3. as defesas são distintas entre si; 4. é possível transformar as defesas, apesar de assemelharem-se com os sintomas psiquiátricos; 5. as defesas podem desempenhar uma função adaptativa, porém também podem ser patológicas (MARQUES, 2012).
As três instâncias que formam a personalidade são passíveis de observação de modo diferenciado. O id só é observável quando uma pulsão obtiver passagem aos sistemas pré-conscientes e conscientes, ou seja, somente quando uma pulsão se propagar até o ego em busca de satisfação, causando sentimentos de tensão e desprazer, fora isso o id não é acessível. No caso do superego, o seu conteúdo é, em sua maior parte, consciente, sendo possível acessá-lo através da análise, porém quando está em harmonia com o ego é impossível discerni-los. O superego se torna visível quando afronta o ego, tornando-se visível através do sentimento de culpa que gera pela sua crítica. Das três instâncias, o ego é a que permite a observação direta e é através dele que se acessa as outras duas. O ego utiliza medidas defensivas para se defender dos ataques das pulsões que buscam intensivamente para conseguir seus fins com muita obstinação e energia. No entanto, essas defesas acontecem invisivelmente no caso do recalcamento que é bem-sucedido, como também acontece com a formação reativa que é uma das principais defesas do ego contra o id. Além de se defender das pulsões do id, o ego também se defende dos afetos associados a estas. Afetos como amor, nostalgia, ciúme, mortificação, dor e pesar, deslocam-se junto com as pulsões dos desejos sexuais, já o ódio, a cólera e a fúria acompanham os impulsos agressivos (FREUD, 2006).
Repressão: é um dos mecanismos mais comuns de defesa do ego. Seu significado é o de retirar algo do consciente, levando-a para o inconsciente, ou seja, mantendo distante alguma imagem ou percepção insuportável. Obstaculiza sentimentos e experiências desagradáveis da consciência. O reprimido é instalado no inconsciente, no entanto continua a fazer parte da psique e continuará exercendo influência no comportamento através do desenvolvimento de sintomas. Exemplo: uma vítima de assalto violento não consegue se lembrar de nada do ocorrido e encontra-se com grande ansiedade e/ou deprimida.
Regressão: é a volta a um período de desenvolvimento anterior na busca de um conforto, segurança e gratificação sentidas nessa fase. Segundo Volpi (2008, p. 2), “é um modo de defesa bastante primitivo e, embora reduza a tensão, frequentemente deixa sem solução a fonte de ansiedade original”. Exemplo: uma criança que volta a fazer xixi na cama quando nasce um irmãozinho.
Formação reativa: para evitar a expressão de pensamentos ou sentimentos inaceitáveis, o sujeito exagera na expressão de sentimentos ou expressão oposta. Exemplo: Júlio fez direito para agradar seu pai, porém odeia o curso e o fato de ter que ser advogado, mas quando fala publicamente refere a profissão de advogado como sendo uma excelente carreira.
Identificação: é um mecanismo não defensivo, no qual se busca alcançar os traços, qualidades e particularidades de alguém a quem se admira. Na identificação projetiva, conceito desenvolvido por Melanie Klein — posição esquizoparanoide, segundo Volpi (2008, p. 2) “[...] o indivíduo se identificando com o outro (pessoa ou objeto), cria internamente uma imagem ou fantasia e projeta isso para fora de si identificando-se com esta fantasia e construindo uma outra realidade psíquica”. Exemplo: uma pessoa que fez um longo tratamento dentário, ortodôntico, decide ser dentista posteriormente.
Intelectualização: há um isolamento dos afetos. Exemplo: este mecanismo é muito utilizado pela área médica. Os médicos necessitam isolar os afetos ao realizar uma cirurgia, ou tratar doenças terminais.
Racionalização: este mecanismo é um dos mais utilizados, pois o sujeito justifica com lógica e ética plausível alguma atitude e pensamentos inaceitáveis, dessa forma tem um intento benéfico como autoproteção e conforto psíquico. Exemplo: o dependente de álcool que justifica o uso da bebida como meio de suportar a morte de um filho.
Projeção: é o ato de atribuir pensamentos, sentimentos e impulsos intoleráveis para si mesmo a outra pessoa. Segundo Silva (2010, p. 4), “necessariamente, antes da projeção vem um mecanismo de negação, ou seja, uma forma de deslocamento que se dirige para fora e atribui a outra pessoa seus traços de caráter e desejos contra os quais existem objeções”. Exemplo: uma pessoa que se apaixona perdidamente por alguém (casado ou seu professor ou seu analista) e refere que é o outro que está apaixonado e que está assediando.
Introjeção: trata-se de assumir para si características de outras pessoas. Algo externo passa a fazer parte de seu ego. Esse mecanismo é relacionado ao de identificação. Exemplo: uma criança que repreende outra quando quer subir uma escada perigosa. Ela introjetou as normas passadas por seus pais.
Negação: o sujeito rejeita um pensamento, uma atitude ou um sentimento que é muito insuportável, que não consegue tolerar e simplesmente considera-o inexistente. Exemplo: típico mecanismo dos alcóolatras, que não admitem que são dependentes da bebida e referem que bebem socialmente.
Isolamento: o sujeito desassocia o pensamento ou recordação do afeto ou emoção que estava relacionado a ele. Exemplo: pacientes terminais falam de sua doença como se não fosse com eles.
Dissociação: é a separação de sentimentos/pensamentos contraditórios como o amor e ódio em relação a um mesmo objeto. A tentativa de integração gera uma ansiedade insuportável. Exemplo extremo é a dupla personalidade.
Deslocamento: é a substituição de um impulso/pulsão inicial por outro. Exemplo: uma pessoa que está com ódio de seu professor e agride verbalmente um colega.
Sublimação: é um processo através do qual a libido se separa do objeto sexual para outra finalidade, visando a satisfação. Para Freud (1996c, p. 111), “a sublimação é um processo que diz respeito à libido objetal e consiste no fato da pulsão se dirigir no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade da satisfação sexual”. Exemplo: competições esportivas são sublimações de pulsões agressivas ou uma pessoa com fortes impulsos sexuais se transforma em um grande artista.
Idealização: Segundo Freud (1996c, p. 111), “[...] a idealização é um processo que diz respeito ao objeto; por ela este objeto, sem qualquer alteração na sua natureza, é engrandecido e exaltado na mente do indivíduo”. Exemplo: idealizar o parceiro e cair na dependência emocional, pois estar com alguém que hipoteticamente lhe era impossível faz com que a pessoa se entregue totalmente.
Fixação: é um apego permanente da libido num estágio do desenvolvimento da personalidade. Muito dos traços de personalidade são pequenas fixações a alguma fase (oral, anal, fálica). Fixação está na origem das repressões/recalques. Exemplo: uma pessoa com forte fixação na fase anal pode apresentar características obsessivas ou vir a manifestar uma neurose obsessivo-compulsiva (ZIMERMAN, 2008).
O ego, então, se utiliza desses mecanismos de defesa para se defender das constantes inserções das pulsões na busca de uma incansável satisfação. São parcialmente inconscientes, podem ser utilizadas como uma forma de adaptação, como também podem se transformar em patologias em função da intensidade, frequência e rigor. O ego utiliza variadas defesas e é através da análise das resistências que é possível acessá-las. Das três instâncias que formam a personalidade, o ego é a instância que possibilita observação direta.
A inserção do sujeito em um grupo foi objeto de estudo de Freud em 1921, com a publicação de Psicologia de grupo e análise do ego. Segundo Roudinesco (1998), Freud desde o início de seu texto expôs o fenômeno de que sempre existe o “outro”, que serve de modelo, objeto e ou rival na constituição do ego, preterindo a oposição onisciente entre psicologia individual e psicologia social.
A identificação é um dos mecanismos que surgem na mais tenra idade, sendo para Freud (1996b, p. 136): A mais remota expressão de um laço emocional com outras pessoas, como também pode, de maneira regressiva, se tornar sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por meio da introjeção do objeto no ego, e, também pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto da pulsão sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo assim representar o início de um novo laço. [...] o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos suspeitar que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder.
A sua investigação foi na direção de desvendar a influência do grupo na vida mental do sujeito, a magnitude do grupo na constituição do sujeito e na alteração mental que o mesmo provoca no sujeito.
Buscou fundamentar essa atratividade do grupo e de sua influência no sujeito pela libido. Libido enquanto energia de todas as pulsões que podem ser abrangidas pelo amor, de forma ampla como amor sexual, amor próprio, amor pelos pais, pelos filhos, amor na amizade, etc., ou seja, tudo que faz laço emocional constitui a essência da mente grupal.
Nessa dinâmica, o sujeito abandona o seu ideal de ego em prol do amor a um líder, ou seja, o objeto foi colocado no lugar do ideal do ego e assim todos os membros do grupo o fizeram, o que faz com que se identifiquem uns com os outros em seu ego (FREUD, 1996b, p. 147).
O líder não é alguém que se intitula como um “Deus”. de ego agora compartilhado com o líder. O grupo passa a ter assim um ideal de grupo que se torna o ideal do sujeito, que não medirá esforços para cumprir com todas as exigências do grupo, pois estas se transformaram em suas também. Tudo acontece de forma subliminar, pouco perceptível baseado no fenômeno da identificação. O líder é escolhido por ter algumas características e competências diferenciadas que todos gostariam de ter, por isso tem mais autonomia de ação que os demais membros e ao substituir o ideal de todos estabelece uma ligação entre eles, pois todos acabam se identificando, uns com os outros, através de seu ideal.
A libido é que sustenta a relação do líder com os demais membros do grupo e cada elemento do grupo está ligado ao líder e aos outros membros. Esses laços se tornam efetivos em função da dessexualização dos impulsos sexuais, sendo que no processo civilizatório cada vez mais vemos a formação de grupos em torno de objetivos comuns e isso merece um cuidado em especial, tendo em vista que para que esses vínculos sejam mantidos é inexorável um comedimento da vida sexual.
Porém, é nos grupos transitórios e efêmeros que se pode observar como o indivíduo abandona seu ideal de ego e o substitui pelo ideal do grupo, tal como é corporificado no líder. A identificação revela o quanto o “outro” é universal na experiência subjetiva e o quanto o apoderamento de um elemento que venha do outro tem repercussão na subjetividade foi o que levou Freud a não ver oposição entre à psicologia individual e a social.