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Relação compreensiva e a relação com o real.

Na psicanálise, especialmente a partir dos trabalhos de Jacques Lacan, o sujeito e sua relação com a realidade são abordados em termos de três registros: o Imaginário, o Simbólico e o Real. Cada um desses registros é fundamental para a estruturação da subjetividade e para a maneira como o indivíduo se relaciona consigo mesmo, com os outros e com o mundo ao seu redor.

Registros do Imaginário, Simbólico e Real

  1. O Imaginário: O registro do Imaginário está relacionado com a imagem, a percepção e a identificação. Ele se refere ao mundo das representações visuais, da aparência, e do narcisismo. É no Imaginário que o sujeito constrói uma imagem de si mesmo, a partir de identificações primordiais, como a fase do espelho, descrita por Lacan. Nessa fase, a criança se reconhece em sua própria imagem refletida no espelho, formando uma unidade imaginária do eu (ego). Essa identificação, no entanto, é ilusória, pois a imagem percebida no espelho é um “eu” ideal, que não corresponde exatamente ao sujeito real, mas funciona como um ponto de referência para a construção da identidade.

    O Imaginário também abrange as fantasias e projeções que o sujeito faz sobre si e os outros, sendo assim uma dimensão essencial da interação social. No entanto, ele pode ser enganador, pois se baseia na aparência e na superficialidade das imagens.

  2. O Simbólico: O registro Simbólico é o domínio da linguagem, das leis, das normas sociais e da cultura. Ele organiza a experiência humana através de significantes (palavras) e representa a ordem do discurso, em que os sujeitos são inseridos desde o nascimento. Segundo Lacan, a entrada do sujeito no Simbólico é marcada pela castração simbólica, um processo psíquico em que o indivíduo reconhece que está sujeito às leis e à falta (ausência de plenitude).

    O Simbólico estrutura o desejo e o inconsciente, que se manifesta por meio de metáforas e metonímias. É através da linguagem que o sujeito pode expressar, ainda que de forma limitada, suas demandas e seu lugar na sociedade. No Simbólico, o sujeito se torna falante, mas também alienado, uma vez que suas experiências e afetos precisam ser traduzidos em palavras que nunca conseguem capturar plenamente o que se sente.

  3. O Real: O Real, na psicanálise lacaniana, é o registro mais enigmático. Ele se refere ao que está fora da linguagem, ao que é impossível de simbolizar ou representar completamente. O Real é o que escapa à simbolização e à percepção, resistindo a ser capturado pelo Imaginário ou pelo Simbólico. O Real é, por exemplo, aquilo que surge de maneira traumática ou inesperada, aquilo que não faz sentido ou que não pode ser assimilado dentro das regras da linguagem.

    Diferentemente do real no sentido cotidiano (como a realidade tangível), o Real psicanalítico é aquilo que está sempre faltando ou excessivo, e que retorna de maneira disruptiva. O Real é associado ao desejo impossível de realizar, ao que é inacessível pela linguagem, e ao encontro com algo para o qual não se está preparado.

Relação Compreensiva e a Relação com o Real

Na relação compreensiva, que envolve a interpretação psicanalítica, os registros do Imaginário e do Simbólico são fundamentais. A compreensão psicanalítica trabalha para revelar as significações inconscientes que operam no campo Simbólico do sujeito e como ele se articula com as imagens do Imaginário. No entanto, o Real muitas vezes emerge como um limite para essa compreensão. Ele representa aquilo que não pode ser totalmente capturado pela linguagem ou simbolizado pelo sujeito, mas que interfere de modo persistente, geralmente através de sintomas, traumas ou experiências de angústia.

A Imagem como Representação ou Aproximação do Real

A imagem, no registro do Imaginário, é uma forma de representação do mundo, mas nunca é uma cópia fiel do Real. No sentido lacaniano, a imagem é uma projeção, uma construção que permite ao sujeito se situar em relação aos outros e ao mundo, mas ela é marcada pela distorção e pela idealização. Por exemplo, na fase do espelho, a criança vê uma imagem de si mesma que lhe dá a ilusão de um "eu" coeso, quando, na verdade, sua experiência interna é fragmentada.

A imagem como representação é uma tentativa de capturar ou dar sentido ao que escapa ao sujeito. No entanto, o Real, como aquilo que está fora da ordem simbólica, permanece além da representação. A imagem pode nos aproximar do Real, mas nunca pode capturá-lo inteiramente, uma vez que o Real é, por definição, aquilo que não pode ser simbolizado.

Por exemplo, uma obra de arte pode evocar um aspecto do Real, ao trazer à tona algo perturbador ou indescritível, que mexe com o espectador de maneira visceral. Mas mesmo nesse caso, o Real não é representado diretamente; é apenas sugerido ou "contornado". O mesmo vale para as fantasias e imagens inconscientes — elas representam tentativas de abordar o Real, mas sempre o fazem através do filtro do Imaginário e do Simbólico.

Interpretação Psicanalítica e o Real

A psicanálise busca entender o sujeito a partir dos registros do Imaginário e do Simbólico, onde as identificações e as significações são construídas. No entanto, o Real surge como um desafio para a interpretação, pois aquilo que é verdadeiramente traumático ou impossível de simbolizar resiste à análise. A relação com o Real é sempre parcial e fragmentada, e o trabalho do psicanalista é ajudar o sujeito a lidar com esses pontos de ruptura em seu discurso e em sua experiência psíquica.

Assim, a imagem e o discurso podem aproximar-se do Real, mas nunca conseguem abarcar completamente sua dimensão. A imagem, por exemplo, pode ser vista como uma tentativa de dar forma ao Real, mas está inevitavelmente presa às limitações do Imaginário, enquanto o Simbólico oferece ferramentas de linguagem para abordar o que não pode ser dito plenamente.